quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

SEVERINO ARAÚJO: ENTREVISTAS


Entrevista com Severino Araújo
Em 1938, com a morte de Olegário, então diretor da Orquestra Tabajara, Severino é convidado para dirigir a orquestra e aceita. Sugere o nome de seu Tenente para dirigir a Orquestra Sinfônica, pois não quer ficar encarregado das duas tarefas. As condições que estabelece para aceitar o encargo são: que a orquestra tenha, a exemplo das americanas (das quais era fã incondicional) 4 saxofones (e/ou clarinetes), 3 trompetes e 2 trombones, e que todo saxofonista também toque clarinete. Consegue da direção um saxofone, um trompete e um trombone adicionais, e acaba trazendo os irmãos para tocarem na orquestra. Apaixonado pela música americana, quando se vê à frente da orquestra começa a fazer os arranjos das músicas brasileiras ao estilo americano.  
A orquestra aos poucos ganha reputação e começa a trazer músicos do Rio de Janeiro. Em 1944 Severino recebe telegramas da Rádio Tupi e do Cassino Copacabana, ambos do Rio de Janeiro, e se apresenta aos dois. À época, ganha 800 cruzeiros por mês em João Pessoa: a Tupi oferece 2.400 e o Cassino 3.600. Aceita imediatamente, apesar de não gostar do ambiente do Cassino, que acha estranho, muito ‘estrangeiro’. Fica como saxofonista alto da Tupi.  O mercado de trabalho para músicos, na época, é maravilhoso. Há um elenco de 100 músicos na Rádio Nacional. Além dos 2.400, o salário, na Tupi inclui 150 por cada arranjo. E os cantores só queriam cantar com arranjo feito por ele. Na Tupi trabalham duas orquestras: a Marajoara e a Fon-Fon. Quando chega à Tupi, encontra trabalhando por lá, entre outros artistas, Silvio Caldas, as irmãs Linda e Dircinha Batista, Gilberto Alves e Araci de Almeida.  
A Tupi convida toda a orquestra Tabajara para ir trabalhar no Rio. O ordenado que a Tupi oferece é 2.000 para cada músico. Para os solteiros 1.500, para os casados 2.000. Todos aceitam, pois na época ganham 450.  
Quando Assis Chateaubriand fica sabendo que iam contratar a orquestra paraibana, pede para que os músicos providenciem os documentos necessários e manda as 17 passagens. Severino faz um arranjo de “O Guarani”, de Carlos Gomes, depois faz um programa baseado em frevo, pois nessa época o frevo ainda não é muito conhecido no Rio de Janeiro. Sucesso!!!! Um cineasta vem contratar a orquestra para uma parte de um filme - cada músico ganha 1.500 cruzeiros, o que equivale a um salário mensal! 
A estréia da orquestra é feita em 20 de janeiro de 1945, num evento chamado “A Noite do Frevo”. Severino chegara ao Rio no dia 7 de agosto de 1944. Fernando Lobo (pai de Edu Lobo) fica encarregado de escrever o programa de rádio. Os cantores selecionados para cantar os frevos são Sílvio Caldas e Gilberto Alves. A sociedade carioca recebe convites especiais para o evento. Presentes Fulgêncio Batista (presidente de Cuba), Rui Carneiro (governador da Paraíba), bem como Assis Chateaubriand e família. A orquestra começa com “Luzia no Frevo”. Quando acabam o salão vem abaixo. A rua, lotada de gente, com o povo querendo arrombar os portões para assistir. Chateaubriand manda dizer ao povo que tenha paciência que a orquestra tocaria para eles a seguir. E depois do programa é o que fazem: tocam para o povão. 
A Rádio Tupi manda fazer roupas novas para a orquestra toda, e no dia seguinte Severino recebe dezenas de telegramas da Paraíba. Durante 6 meses o prestígio da orquestra se consolida. Tinham contrato de 2 anos. Depois passam a fazer programas especiais com outros estilos musicais. O primeiro arranjo feito por Severino é “Cidade Maravilhosa” em ritmo de samba. 
Severino começou a estudar clarinete com os discos de Benny Goodman, Duke Ellington e Tommy Dorsey. Fez curso de harmonia no Rio de Janeiro com o maestro Hans-Joachim Koellreutter. Hoje, ainda recebe visitas de representantes musicais da Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Espanha (muitos!), Portugal, Estados Unidos, Japão, Israel, Bélgica, Suíça, Suécia e Iugoslávia.

Entrevista
Choro Music: Quem o inspirou como músico e maestro? 
Severino: Meu pai. Com os americanos, principalmente Benny Goodman, com quem aprendi jazz e foxtrote. Minha vida era assim: levantava às 6 horas da manhã e fazia 2 arranjos, primeiro alto depois pistom, depois trombone. Porque às 11:30 tinha que estar na Tupi para o Programa do Paulo Gracindo (almoçava por ali mesmo no restaurante da estação). Depois ia gravar os arranjos que tinha feito, até 5 da tarde. Chegava em casa, tomava banho, colocava um smoking e ia para a estação tocar das 11 até 5 da manhã. E ia para casa dormir, pois às 6 tinha que levantar para fazer os arranjos. Passei 10 anos da Tupi. 
Em 1951 inauguramos a TV Tupi, na Rua Venezuela, 5º andar. Também em 1951 toquei com Tommy Dorsey na Rádio Tupi. Eu toquei jazz, mas ele não quis tocar nenhum ritmo brasileiro, disse que não conseguia.  
Em 1952 fomos a Paris, para fazer um baile organizado por Assis Chateaubriand, realizado na fazenda de Jacques Fath, distante de Paris uns 50 quilômetros. Fizemos o show, mas o Assis era Embaixador em Londres, conhecia muita gente na Europa. Quando voltamos do baile, todos os dias havia um pedido para tocar em uma embaixada diferente. Passamos 30 dias em Paris. Cada músico recebeu 50.000 francos (equivalente a mais ou menos 5.000 cruzeiros) pelo baile, enquanto na estação ganhavam 6.000 por mês. Chateaubriand mandou dar mais 2.500 para cada um, e o total foi de 7.500 por músico, por 30 dias.  
Em 1954 deixamos a Tupi e fomos viajar para todos os clubes do Brasil. Todos nos convidavam.  Pagava 700 cruzeiros por dia para cada músico.  
Logo após sair da Tupi fomos estrear em Minas Gerais, numa cidade que fica perto de Goiânia, depois fomos a Goiânia e Uberlândia. Acampamos em Uberlândia e fomos para as cidades vizinhas. Depois fomos Para Uberaba. Deixamos Minas Gerais e fomos para Mococa, em São Paulo. Era um sucesso. Tínhamos um número que terminava com uma briga de 2 pistões, um subia desafiando, o outro subia também, e por aí ia. Depois viajamos em uma excursão que começou em agosto de 54. Chegamos a Barretos e a polícia não nos deixou tocar por causa da morte de Getúlio Vargas. Fomos a Batatais, depois Bebedouro. Em São Paulo fizemos shows em várias cidades, terminando em Franca, ainda em agosto. Segunda-feira era dia de descanso. Eram 21.000 cruzeiros - o músico ganhava 700 cruzeiros por dia. Em outubro de 1954 fizemos 20 dias na cidade de São Paulo, depois Campinas e Pinhal.  
Em 1955, depois de uma temporada no sul com outro empresário, terminamos em Porto Alegre. Fomos ao Paraná: Curitiba, Londrina e Paranaguá. Passamos 11 dias em Porto Alegre. Em janeiro de 1955, no carnaval, tínhamos 35 dias de contrato. Fomos a Santa Maria, Bagé, Uruguaiana, Livramento, Itaqui (jogaram um ovo no guitarrista, na hora da briga dos pistões, o prefeito pediu desculpas dizendo que “tinha sido um garoto que nem era de Itaqui!!!” O guitarrista disse que “não tinha nada a ver com aquilo!”). Todos os lugares onde tocávamos lotavam, não cabia um mosquito lá dentro. De Santa Maria tomamos o trem e voltamos para Porto Alegre. 
Voltamos ao Rio, fizemos a temporada de formaturas. E então fomos para o Uruguai, passamos 40 dias. Foi quando o Juscelino começou a construir Brasília, época em que a inflação subiu demais. O peso do Uruguai era extremamente valorizado. Um peso Uruguaio valia 23 cruzeiros em março de 1955. Voltamos e ficamos fazendo bailes, shows e gravações.  
Em maio de 1955 assinamos com a Rádio Mayrink Veiga. Com ordenado muito bom de 9.000 cruzeiros, e 5 anos de contrato. Em marco de 1956 estávamos em briga com a Tupi, pois eles tinham ficado nos devendo um bom dinheiro quando saímos de lá, então pedimos ao sindicato que brigasse por nós e o sindicato ganhou a questão. Victor Costa era o Diretor da Mayrink e depois do primeiro ano perguntou se eu estava feliz. Pedi 9.000 pelo primeiro ano, 10 no segundo, 11 no outro, 12 no seguinte. Victor disse: “somos amigos, 12 é o máximo que dá para pagar nos anos seguintes...”. 
João Calmon, diretor da Tupi, nos chamou para voltar a trabalhar para eles. Disse que pagava os 9.000 e os 12 que eu queria. Levei a proposta para os músicos e nenhum deles aceitou. A Mayrink nunca atrasava. Passamos 5 anos na Mayrink, saímos em 1959. Fui então trabalhar como arranjador da Continental, ganhando 25.000 cruzeiros por mês. Os músicos começaram a ir para a Rádio Nacional. Em 1962 assinei com a Nacional, os músicos já estavam lá, ganhando 35.000 por mês. Foi uma festa. Fiquei lá até 1966, mas em 64 o Paulo Gracindo e o César de Alencar, da TV Rio, quiseram fazer um programa e queriam uma orquestra com o prestígio da de Severino Araújo. O primeiro programa foi um sucesso danado. Anteriormente era um conjunto que tocava, mas com a orquestra ficou muito melhor, a audiência subiu. Ficamos até 1969, quando completei 35 anos de trabalho e me aposentei. Fiquei fazendo só bailes, shows, gravações, até hoje. 
Choro Music: Quem foram os 3 maiores clarinetistas e saxofonistas que o senhor já ouviu? 
Severino: Estudei os instrumentos com meu pai, quando cheguei à Tabajara tínhamos os discos do Benny Goodman, que foi o melhor clarinetista que já ouvi tocar. Artie Shaw, Buddy De Franco. Saxofonista: Charlie Parker. Clarinetistas brasileiros: K-Ximbinho, Zacarias, Abel Ferreira. Saxofonistas brasileiros: Zé Bodega, Cipó, Maciel. 
Choro Music: Qual é a historia por trás dos seguintes nomes de choros? 
Severino: Espinha de Bacalhau: tem muita nota, engasga como a espinha.  
Mumbaba: eu tinha sido convocado pelo Exército em 1943, fui acampar numa propriedade chamada Mumbaba, não tinha rua, não tinha nada... 
Simplesmente: uma coisa simples, só pra tocar (1948). 
Um chorinho modulante: K-Ximbinho fez um choro todo desmantelado. Botei o nome de chorinho dissonante. Quando fiz o curso de harmonia e notei que não havia dissonância nenhuma, apenas modulação, e como a música ainda não tinha sido gravada, mudei o nome. (1937) 
Um chorinho pra você: foi feito para minha esposa, Neuza.  
Nivaldo no Choro: Nivaldo tocava violão muito bem. Resolveu fazer um long-play e queria ter o prazer de um choro meu inédito!!! Então eu fiz esse Choro. 
Pensando em você: fiz para a Neuza, minha esposa. 
Um chorinho em Aldeia: estava no exército. Aldeia é um engenho, município de Pau d’Alho, perto de Recife.  Esse choro era um exercício meu, no clarinete. Fiz o arranjo no meio do mato, em Aldeia e depois fiz um arranjo para a Tabajara. Na última noite do ano toquei, o pessoal ouviu o choro com orquestra e foi um sucesso danado. Aliás, foi com esse choro que estreei na Tupi. Essa é uma história, eu sozinho, com o clarinete, fui pra lá tocar clarinete, e toquei com o Benny Goodman. 
Choro Music: Quantos filhos? 
Severino: Dois homens e duas mulheres, Francisco Araújo (diretor da Orquestra Cuba Livre), Ronaldo, Tânia e Ieda. 
Choro Music: Um momento grandioso em sua vida, e um momento difícil.
Severino: Grandioso foi quando eu toquei pela primeira vez para os cariocas com a Tabajara aqui no Rio, no salão do Automóvel Clube, primeiro baile que fiz no Rio. Mas meu Deus que felicidade, eu vim da Paraíba! Difícil foi com a morte de minha primeira esposa, Otacília. Nasceu em 1920 e faleceu com 23 anos, em 1943, quando eu tinha 26 anos. Francisco e Ieda são filhos dela. Estávamos indo tocar em uma festa na cidade de Guarabira e dentro do trem recebo um telegrama, urgente, pedindo para voltar imediatamente. Não conseguia nem falar. Falei com meu superior, que me liberou na hora. Cheguei num sábado e ela morreu no domingo, em meus braços. Compus uma valsa para ela e está no repertório da Polícia Militar de João Pessoa. 
Choro Music: E o K-Ximbinho? 
Severino: Era músico em Recife e em 1937 foi contratado pra trabalhar na orquestra Tabajara. Quando fui para lá ele era o terceiro sax alto.